Divã de Boteco – IV
Cheguei ao bar com o bolso mais vazio que a consciência de bolsonarista fazendo oposição. Nem moeda pra caça-níqueis eu tinha, mas a ansiedade queimava no meu corpo que tremia — e, como de praxe, fui direto pro divã improvisado: o banco torto do boteco, onde meu terapeuta particular já me esperava com um chope pela metade e a paciência zerada. — Doutor, o Brasil virou um truque barato. Mas o que me dá nó na garganta mesmo não é a mágica. É a covardia. Rasteira em velhinho, doutor. Golpe em quem não tem mais força nem pra ler as letras miúdas do contrato. E fui me aproximando, derramando mais revolta que cerveja. — E ainda querem colar isso no Lula! A Lava Jato acabou, foi julgada, desmontada, arquivada. Mas a oposição vive pedindo VAR pra campeonato que já terminou. Pior: inventam novo escândalo em cima de um golpe antigo — e jogam no colo do governo como se fosse truque novo. — Tão chamando de mágica o que é pura trapaça. Usam o nome do Lula como cortina de fumaça pra esconder um golpe que começou lá atrás, com Moro na Justiça e Lorenzoni na Previdência. Os caras meteram desconto em aposentado sem o coitado nem saber. Um golpe com carimbo e CNPJ! — E a oposição? Agora se faz de escandalizada, como se o Lula tivesse montado call center pra roubar pensão. É muita cara de pau, doutor. O cara da Carreta Furacão tem mais credibilidade que essa turma. — O outro truque é o do empréstimo consignado. Minha tia caiu há 15 anos. Ligaram do “banco”, ela achou que era coisa séria. Quando viu, tinha três empréstimos no nome dela e nenhuma lembrança de ter autorizado. — Isso, doutor, é golpe. E o pior: agora tem funcionário de banco que entra nessa também. Liga, seduz, mente, insiste — tudo pra bater meta. É tipo Tinder do endividamento. Só que em vez de dar match, o velhinho leva calote. — E a culpa? Claro! Colocam no Lula. Como se fosse ele o operador da central de trambique. — E a palhaçada dos postes, doutor? Em vez de enterrar os fios, acabar com a fiação aérea e mandar os postes pra história, como fazem nos países que já descobriram a roda, o debate aqui é: quem vai pagar pra manter o poste em pé. Isso mesmo. Não é pra tirar. É pra manter! É como se a solução fosse um incômodo e o problema virasse patrimônio histórico. Um museu de curto-circuito e apagão programado. — Adolescente virou suspeito antes de ser cidadão. Se riscar o caderno, é pichador. Se falar alto, é delinquente. Daqui a pouco, vão prender quem escrever poesia fora do horário permitido. A escola que deveria ensinar a pensar agora se arma pra reprimir. É tipo ensinar boas maneiras dando porrada no filho. — Doutor, só não me olhe com essa testa de interrogação. Pois não acabou, não, doutor. Longe disso. — Enquanto isso, a Câmara quer aumentar o número de parlamentares. E o Arthur Lira barra a única proposta que presta nesse século:a isenção de imposto pra quem ganha até cinco mil reais. Em vez disso, propõe uma reforma que não taxa os super ricos. Vai ver ele está legislando em causa própria, já é bilionário e a imprensa não sabe. Terminei meu copo como quem fecha a terapia em grupo. — É isso, doutor. O Brasil virou palco de mágica vagabunda. Mas em vez de coelho, tiram o salário do povo do bolso. E a plateia, hipnotizada, grita “mito”, achando que é ilusionismo. O psicólogo suspirou fundo, olhou pro copo e disse: — A sessão de hoje fica por minha conta. Mas quem sabe amanhã o chope vem com imposto progressivo.
