Divã de Boteco – I
— Doutor, essa semana eu prometi que não ia me preocupar. Jurei de pé junto, com a mão no coração e tudo. Mas, veja só, já tô aqui, segunda-feira de manhã, preocupado até com o horóscopo do cachorro da vizinha. — Começou com um sonho, claro. Sonhei que chamava um Uber pra ir pra Roma. Quem aparece? Constantino. Não o imperador, mas um motorista de Uber com GPS quebrado e senso de direção pior que o do Santos na tabela do Brasileirão. Ele me dizia: “Roma? Só conheço o bairro aqui perto.” E eu, desesperado, pensando: “Se nem o Constantino sabe chegar em Roma, quem sou eu pra encontrar meu caminho?” — Acordei suando frio, doutor. Liguei a TV, que é igual colocar o dedo na tomada: você sabe que vai tomar choque, mas insiste. E lá tava o Barroso, presidente do STF, agora indignado, dizendo que o Brasil passou da indignação à pena. E eu aqui, doutor, que já passei da esperança ao desespero, tentando entender se isso significa que agora a gente tem que sentir dó até dos golpistas. — O Xandão tentando aplicar a lei no Brasil é como tentar fazer valer a multa para pedestres e ciclistas ou a proibição de películas escuras nos carros. O sujeito assina uma decisão e, no dia seguinte, já tem gente alegando que só pegou um ônibus, acampou, seguiu com a multidão pra um quebra-quebra, mas que jamais teve intenção de quebrar tudo. E agora, a internet virou cheia de sommelier de dosimetria de pena, discutindo quantos anos seriam justos pra fulano, como se fosse degustação de sentenças. Ah, que saudades de quando dosimetria era só pra whisky. — Falando em dose de paciência, doutor… Você viu o Marçal? O sujeito vive vendendo “o segredo do sucesso” igual camelô de autoajuda, mas só toma prejuízo. É tipo aquelas correntes de WhatsApp: promete felicidade eterna, mas o máximo que entrega é dívida parcelada em 12 vezes. E o pior: o sucesso dele era baseado numa coisa só — desrespeitar a lei. Vendia ilusão, entregava processo judicial. E ainda tinha gente aplaudindo, como se fosse gênio. No Brasil, parece que fraude é currículo. — No futebol, doutor… Olha, o Corinthians tá tão perdido que o André Ramalho já cogita lançar carreira solo. Um sertanejo, talvez. Participação especial da Kesha, porque dançar no gramado ele já tá, né? Cantar sobre sofrência seria só coerência. — E a Ucrânia? Continua lá, firme e forte na guerra eterna. Todo mundo falando em paz como se fosse dieta de segunda-feira: só começa na próxima vida. E olhe lá. — Aí eu venho aqui, doutor. Porque, no fundo, eu nem quero cura nenhuma. Quero ter onde testar minhas piadas ruins, despejar essa acidez sem medo de ser cancelado. Terapia? É mais um stand-up triste de quem pagou meia pra rir de nervoso. — Aliás, doutor, com o dólar do jeito que tá, será que rola um cashback emocional? Um cupom de sanidade? Um voucher de esperança? Porque, sinceramente, do jeito que as coisas vão, logo logo nem cerveja no boteco vai dar pra parcelar em três vezes sem juros.
