Divã de Boteco – II

— Doutor, hoje é quinta-feira, Dia do Trabalhador… Menos desemprego, mais gente com salário, mais consumo, economia girando. E eu aqui, encostado nesse divã-boteco, pensando: será que o trabalhador virou inimigo do país? Porque, aparentemente, se o povo começa a comer três vezes por dia, o Banco Central já saca o extintor e grita: Inflação! — Vai ver a solução seja essa mesmo, né, doutor? Os trabalhadores deviam se demitir em massa e parar de comer — um jejum coletivo pelo corte da Selic. Um protesto silencioso e faminto: “Pela dignidade do mercado!” Porque, no Brasil, o pleno emprego é tratado pelo mercado como uma invasão alienígena. — Aí, tentando buscar uma boa notícia, me deparo com o escândalo do edital dos coletes da PM. Suspenderam a compra porque ele era… digamos… exclusivo. Tão direcionado que nem bala perdida conseguia escapar: só acertava no fornecedor favorito. E ainda dizem que o problema é a insegurança! — E enquanto o colete segue em análise técnica — provavelmente com peritos especializados em astrologia têxtil — os policiais continuam na rua protegidos apenas pela força da fé e pela elasticidade do uniforme de poliéster. Que Deus abençoe o dry fit. — Mas doutor, se você acha que isso é o fundo do poço, pegue a pá: em Brasília, um policial resolveu abrir uma franquia de MMA no supermercado. Perseguiu um jovem, espancou o avô que tentou ajudar e ainda quebrou o celular do menino. No fim, o garoto pagou uma fiança R$ 1.500 para sair da prisão. É a nova promoção da justiça brasileira: “Leve um trauma e ganhe a liberdade por 10x de R$ 150 sem juros.” — Segurança mesmo é com a equipe da Lady Gaga, no Rio, que saiu distribuindo pizza pros fãs. Uma estrela internacional entregando carinho, calorias e carboidratos. Enquanto isso, a PM segue distribuindo porrada e boletim de ocorrência. Sinceramente, o Brasil devia terceirizar a segurança pública pra equipe da Gaga. — E na política, doutor, segue o show de incoerência. Lula chama a Gleisi de bonita e o Twitter tem um colapso existencial: “Machismo! Retrocesso! Fim da luta feminista!” Agora, quando o deputado Gilvan resolve atacar a ministra com misoginia explícita, o pessoal some mais rápido que promessa de campanha depois da posse. — E a polêmica da uniforma da seleção? Só não é maior que o tamanho da novela que virou a escolha do técnico? Demitiram o Dorival depois de um vexame contra a Argentina, agora falam em Ancelotti, que só vem se a CBF pagar em euro e ajoelhada. Mas o nome forte mesmo é Jorge Jesus — e aí, claro, o Neymar torceu o nariz. Disse que não quer o Jesus no comando. Nesse ritmo, vai acabar pedindo o Diabo, desde que não atrapalhe as férias em Mangaratiba. A verdade é que Jesus e Neymar não se bicam porque um quer disciplina e o outro quer liberdade condicional. — No fim, doutor, venho aqui pra testar piada, mas acabo desabafando. Porque, sejamos sinceros, terapia é só o boteco gourmetizado: sem álcool, mas com ouvinte pago. — Agora me diga com franqueza, doutor: existe algum colete à prova de realidade? Porque, se não der pra fugir do Brasil, ao menos que dê pra amortecer os tapas da lucidez. Nem que seja com uma fatia de pizza e um abraço da Lady Gaga.


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