Divã no Boteco – XVIII

— Doutor, me diga com franqueza: como se fecha uma hipótese diagnóstica sobre alguém que talvez esteja perdendo contato com a realidade… se a própria realidade virou esse pastiche pós-moderno com plot de novela mexicana e elenco de filme B?

Porque veja, eu tento! Eu juro que eu tento manter meu inconsciente aderido ao plano terreno. Me esforço para interpretar meus sintomas, meus sonhos, meus devaneios — mesmo os com o Bonner me chamando de “você aí” e me entregando a alcunha de “figura pública com distúrbio leve, porém charmoso”.

Mas como é que a psicanálise pode avaliar o grau de aderência à realidade se tem jornalista brasileira defendendo que a Lei Magnitsky dos EUA vale mais que a Constituição? Isso é sintoma, doutor. Isso é um quadro! Um surto jurídico afetuoso, tipo surto psicótico, mas com colarinho branco e bolsa Prada.

E nem vou entrar no caso dos banqueiros e empresários que agora juram que era tudo brincadeirinha, que o golpe era só um rolezinho da Faria Lima na Disneylândia golpista. Um PowerPoint mal diagramado, meia dúzia de minuta rabiscada, três generais amuados, um ministro do TCU de férias e o Carluxo fazendo cosplay de Rasputin digital.

Difícil, né? Quer dizer, como diferenciar alucinação da versão oficial? Qual é o critério para dizer que meu inconsciente está ou não em acordo com a realidade se tem gente dizendo que prender o Moraes era só força de expressão?

Aliás, o termo “força de expressão” virou o novo Rivotril da elite… serve pra tudo: live contra as urnas? Força de expressão. PRF bloqueando eleitores no segundo turno? Força de expressão. Minuta golpista com aspas? Ah, doutor, isso aí é arte conceitual.

Sabe, doutor… tá difícil até pro meu superego. Ele vive tentando botar ordem no barraco, mas o ID aqui dentro só quer gritar “virar a mesa!” com os generais. E o Ego? Ah, o Ego… tá igual ao Elon Musk: surtado, bilionário e fazendo tweet como se fosse o MC Poze do Trump.

Mas, enfim… voltando à hipótese diagnóstica…

[pausa longa, olhar para o lado]

Bom… na verdade, doutor, se o senhor estivesse aqui talvez estivesse me olhando com aquela sobrancelha arqueada, aquele gesto de quem pergunta sem dizer nada. O senhor nunca fala, mas sua sobrancelha é mais expressiva que editorial da Folha. E, claro, estaria anotando qualquer bobagem minha naquele bloquinho mágico que eu sempre desconfiei que fosse só um cardápio de petiscos escrito em código lacaniano.

O senhor não veio hoje… de novo. E eu sinceramente espero que não seja porque eu tô sempre filando essa sessão no happy hour, tomando terapia de graça no balcão como se fosse porção de pastel.

Mas sabe de uma coisa? Tudo bem. Eu resolvi fazer de conta que o senhor tá aqui. É só um ensaio. Um ensaio terapêutico. Treino livre. Simulação guiada pela esperança de que meu inconsciente ainda esteja jogando no mesmo time da realidade.

Porque, veja bem, eu tô falando sozinho. Sozinho. Mas em voz alta. Não é surto, não, é autodefesa. Eu falo alto justamente pra não delirar em silêncio. Eu me escuto pra não ouvir o Bolsonaro no meu lugar.

É, doutor, porque se tem alguém que tá em dissonância com a realidade objetiva é ele. Veja lá: o homem consulta general pra virar a mesa, planeja prender ministro do STF, cria minuta fake e ainda tenta convencer o povo de que tava “triste e resignado”. Triste! Resignado! Se isso não é um delírio bem estruturado, é pelo menos uma negação muito bem ensaiada.

E a defesa dele então? Tarcísio, Mourão, Queiroga… todo mundo dizendo que ele tava quieto, pensativo… tipo criança que derrubou o vaso e tenta parecer budista. Enquanto isso, o Ego do Bolsonaro tá igual carro alegórico: frágil, barulhento e cheio de adereço patriótico.

Agora veja, se eu chego aqui e digo que tô em dúvida se a realidade existe, é porque eu sou sensato. Quem duvida da realidade está nela. Já quem afirma com certeza que não perdeu o contato… bom, esse geralmente tá dando entrevista pra Jovem Pan em nome de Deus, da Pátria e de Elon Musk.

No final das contas, doutor, a gente se apega ao que pode: um copo de chope, um fiapo de sanidade, uma sessão de psicanálise fingida. Mas antes que o garçom ache que eu pirei de vez, vou encerrando por aqui.

Ah, deixei pago seu chope da semana que vem. Quem sabe o senhor aparece. E se não aparecer, eu invento você de novo. Afinal, não seria a primeira vez que alguém no Brasil cria um personagem imaginário pra aguentar a realidade.


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