DIVÃ NO BOTECO – XXXVII
Cheguei ao Fale Mais Sobre Isso com a boca tensa e o fígado amargo, como quem pressente que a ressaca nacional é como o Carnaval: não tem hora para acabar. Lá fora, o sol das cinco derretia o asfalto. Dentro do boteco, reinava aquela brisa climatizada de fritura, sarcasmo e resistência civil.
Juvenal nem esperou eu sentar. Chope na mesa, manjubinha crocante e aquele olhar de quem já tinha lido todas as manchetes.
— Tá bonito lá fora, hein, Juvenal?
— Tá, mas lá fora tem tarifa, chantagem e senador em surto. Aqui dentro tem caipirinha.
Peguei a minha. Nacionalíssima. Cachaça mineira, limão galego, gelo brasileiro. Nenhum ingrediente made in USA. Se vier embargo do Trump, ela sobrevive.
— Doutor… — comecei, sem rodeios —, o Brasil virou refém da Família Euphoria. E a ficha está caindo devagar, como gota de soro. Eles sequestraram o país, amarraram o Congresso, algemaram o STF e agora fazem ligação a cobrar dos EUA para negociar impunidade.
— Igualzinho ao crime organizado — disse Juvenal enquanto limpava a mesa vizinha.
O doutor estava na mesa de sempre, com o bloquinho no bolso e aquele silêncio treinado que desarma qualquer devaneio. Olhou-me com os olhos de quem diagnostica antes do sintoma.
— O Eduardo, doutor… aquele que antes era só um meme ambulante, virou traficante de chantagem. Fugiu para os EUA, anunciou que vai renunciar e avisou que só volta se o pai tiver passaporte liberado. Caso contrário, fica por lá, jogando Xbox com o Steve Bannon e tomando café sobretaxado. É a internacionalização da chantagem institucional.
Juvenal trouxe outra rodada e não resistiu ao pitaco.
— Dizem que o Bananalha quer abrir uma loja de patriotismo em Miami. Vai vender camiseta verde e amarela ou azul, vermelha e branca? Ironizou.
— E o Flávio? Solta áudio ameaçando com “bomba atômica” se não aprovarem a anistia. É tão fantasioso que parece distopia da Netflix, mas é real. É como aquele viciado que acredita que tem algum poder na narina depois de já ter cheirado todo o pó, mas continua lambendo o espelho. É uma compulsão pelo poder 100% pura. Ou será pelo dinheiro?
O doutor ergueu uma sobrancelha. Gesto técnico. Anotação mental feita.
— Eles estão em surto, doutor. A anistia virou cocaína. Não é mais questão jurídica, é fisiológica. Eles precisam da dose diária de desestabilização. Se o STF diz não, eles têm crise de abstinência. Tremem, suam, ameaçam explodir tudo. É a fissura da impunidade. E estão dispostos a vender o país inteiro por mais uma carreira de poder.
— Igual meu cunhado — comentou Juvenal, limpando uma mesa ao lado —, vendeu até o ventilador da avó para bancar aposta. No fim, ficou devendo para um agiota e para a mãe. Está morando com a tia até hoje.
— Pois é. O Congresso é a avó, o Brasil é o ventilador, e o Bolsonaro quer vender tudo à sua volta para ter mais uma dose de poder na veia e fugir da cadeia. E o Tarcísio, hein, virou codependente da Família Euphoria. Quando se deu conta do prejuízo, foi até a embaixada americana explicar que o vício não é dele. Um mico-leão-dourado de terno. Tentou negociar tarifa, quis resgatar o passaporte do Bolsonaro. O ex-presidente está trancado num bunker emocional, suando frio, com medo da Papuda. Igual traficante condenado que perdeu a boca, mas anda tão louco que ainda finge que manda na quebrada.
— E o mais assustador, doutor, é que eles continuam ameaçando. Mesmo sem cargo, sem moral, sem munição. São como viciados em fim de carreira: perderam os dentes, os amigos e o juízo — mas ainda acham que podem dominar o bar inteiro na base do grito.
O doutor fechou o bloquinho com calma. Cruzou os braços. E soltou, como quem lança o diagnóstico e a sentença de uma vez só:
— Como Nero, na Roma Antiga, para os viciados em poder, a última dose de seu delírio chega sempre após a completa perda da realidade.
Silêncio. Juvenal parou de secar os copos. A TV ao fundo exibia Bolsonaro tossindo diante de uma bandeira. A legenda dizia “febre e insônia”. Mas a gente sabe: é abstinência.
Terminei meu chope. Pedi outro. E pedi a conta, agora entendendo que eles tornaram o Brasil codependente do vício deles pelo poder.
— Só tem uma solução — apressou Juvenal: reclusão compulsória de toda a Família Euphoria. O pedido de prisão já está na porta.
