Divã no Boteco – XLVIII

Cheguei no Fale Mais Sobre Isso e já percebi que a noite não seria normal. O boteco inteiro cantava em coro, embalado por um samba improvisado:

🎶 “Chegou final de semana e todo mundo vai sair… só não vai Jair, só não vai Jair…” 🎶

O Doutor, imperturbável, acompanhava a batida tamborilando os dedos na mesa como se fosse parte da percussão terapêutica. Eu, paciente aplicado, aproveitei o clima e fui direto:

— Doutor, isso é apoteose interrompida! O povo queria ver o homem no camburão, mas é como se a música parasse no refrão.

Ele ergueu a sobrancelha e rabiscou algo no bloquinho, como quem anota: “sintoma coletivo de prazer adiado”. Juvenal, sempre inspirado, completou a cena com duas tulipas de chope espumando como cálices de celebração.

— Relaxa, doutor — disse ele — a alegria tá garantida. Até o Malafaia virou piada de mesa.

E era verdade. Entre gargalhadas, cada mesa competia para ver quem soltava a ironia mais cruel sobre os profetas do apocalipse que agora se viram obrigados a pregar esperança com tornozeleira eletrônica.

Mas no canto sombrio do bar, no gueto do Laranja, aquele vizinho que gastava horas para ter o cabelo do Trump, o clima era outro. O pessoal bufava fumaça de F-15 pelas ventas, inconformados. Dudu Bananinha, transmitindo ao vivo dos EUA, ameaçava com caças F-35 contra o Brasil — pedindo pro titio Trump estacionar um porta-aviões na Baía da Guanabara para bombardear, mas poupar o condomínio Vivendas da Barra.

— Doutor, veja a cena — disse eu, erguendo o copo. — O pai condenado, o filho delirante pedindo pix… mas via swift, porque do pix tio Trump não gosta. É a psicanálise em versão stand-up: negação em estado puro, disfarçada de patriotismo com cartão de crédito internacional.

O Doutor suspirou, coçou a barba, tamborilou outra vez os dedos no ritmo do samba e escreveu mais uma nota. Juvenal, mastigando manjubinhas como se fossem dogmas, jogou a frase da noite:

— A festa é apoteose mesmo, mas só vai ser completa quando a justiça virar bloco de rua.

Eu quase brindei com ele. Porque Freud diria que a multidão está simbolizando o desejo: quer ver a lei aplicada para cima, e não só para baixo. Bion lembraria que estamos tentando transformar a frustração em pensamento, em vez de delírio coletivo. Mas, convenhamos, nada mais terapêutico do que rir de Malafaia em mesa de bar.

Foi então que o Doutor ergueu os olhos e, pela primeira vez na noite, quebrou o silêncio:

— A verdadeira apoteose não está no camburão, mas na gargalhada.

E ali estava a catarse: entre chope, samba e sarcasmo, o bar inteiro viveu a saúde mental em sua forma mais simples — rir do poder, elaborar a frustração e brindar a esperança.

O coro cresceu, embalando a madrugada:

🎶 “Bella ciao, ciao, ciao…” 🎶


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